Nossa participação na olimpíada de língua portuguesa 2012, crônica Késia





Aluna: Kesia Santos Souza – 9º ano
Profª Silvia Nogueira
                                     Um cantinho dentro de mim


Em uma manhã de 2005, acordei não no mesmo lugar, não na mesma casa. Acordei sentindo um ar puro entrando pela janela, sem a poluição da cidade. Naquela manhã, pra escola, era transporte escolar, não mais caminhar. Pouco a pouco comecei a conhecer rostos tímidos, bem diferentes dos rostos assustados e dos pés apressados do bairro Aeroporto. Parecia que lá no meu antigo bairro, as pessoas estavam sempre tensas, preocupadas com tudo.
Meus pais agora tinham me levado para morar no Imburo. Esse bairro é relativamente novo na cidade. De um lado era asfalto e, do outro, estrada de chão. É um lugar que quando chove e venta, a terra cheira molhado e as folhas, vida. As casas são bem feitas. Simples, mas bem pintadas. Um arco-íris de cores. Tanto que a minha própria casa era verde, com detalhes laranja. Meu quarto também tinha uma cor diferente da do meu irmão, que tinha um gosto mais maduro. O meu era de menininha, querendo sempre algo novo.
Quando eu e meu pai saíamos para andar nas pequenas estradas de terra do bairro, ele me mostrava nascentes, ainda com águas cristalinas. Mostrava animado onde ele tinha crescido e contava como brincava com meus tios nas terras do meu avô. Na verdade, tudo aquilo já tinha sido uma grande fazenda. Parte era da minha família. Mesmo adorando essas histórias, na minha própria história e no meu coração parecia que essa era uma realidade muito distante. Eu queria que a minha vida fosse, na verdade, bem longe dali, queria estudar, crescer na vida. Meu medo era não conseguir fazer cursos, estudar em uma boa escola, já que o bairro não tinha muitos recursos. Ônibus com poucos horários... E meu pai trabalhava muito, sem muito tempo para resolver essas coisas.
Mas a vida nesse bairro seguia muito simples e tranqüila. Minha mãe enquanto limpava a casa, cantava alegremente. Meu irmão quando chegava do serviço fazia a gente morrer de rir com as suas bobeiras. Depois, à noite, sentávamos na varanda para desfrutar a companhia uns dos outros. Era gostoso o sentimento de paz, uma energia boa que dava na gente. Nas noites de lua, a varanda ficava toda iluminada com o brilho dela e das estrelas. A gente se iluminava também e cantávamos ao som do violão. Meu irmão era o tocador. Tocava muito bem, inclusive. Quando ele tocava, eu é que tinha que ser a solista. Cantávamos rock tipo balada, hinos evangélicos. Era muito bom.
Em outras noites, as crianças brincavam na rua, mas as brincadeiras nunca não terminavam em choro. Era a época da inocência, bem diferente da realidade de hoje em dia. Eu e elas nem queríamos voltar pra casa, porque ninguém disputava com ninguém. Pelo contrário, era pura amizade. No auge das brincadeiras, ouvíamos nossas mães nos chamarem porque já era muito tarde e tínhamos aula bem cedo. 
Quase todo final de semana, depois da igreja, fazíamos um almoço junto com os vizinhos mais próximos. Dividíamos as responsabilidades. As mulheres eram responsáveis pela comida, sempre com muita variedade. E nós, as meninas, ficávamos responsáveis pela sobremesa. Eu fazia pavês, pudins, receitas com sorvete. Gostávamos muito de fazer gelatina colorida. Aliás, até hoje. Tanta receita que minha mãe me ensinava. Nesses dias também nos divertíamos muito. Assistíamos futebol pela televisão. Cada um torcia para um time diferente, logo, era uma falação só na hora do jogo. Na hora do cafezinho, tínhamos que ouvir as piadas do meu pai. 
Passamos seis anos lá. Meu pai percebeu que eu havia crescido e já era hora de ir para um lugar com mais recursos. Até porque era o que eu queria: estudar, fazer cursinhos, ter uma profissão. Nessa época resolvemos voltar para a casa próxima do meu avô no Aeroporto. Era uma forma de cuidar dele, já que meu pai é o filho mais novo e acho que o preferido dele também.
Nunca vou esquecer daquele cantinho de Macaé.  Acho que a gente às vezes tem uma idéia preconceituosa de pessoas e lugares. Muita gente acha que o Imburo não é um bom lugar, que é um lugar perigoso para se viver. Para mim, isso é uma questão de olhar. Lá eu aprendi valores que vou levar comigo por onde for. O valor da simplicidade, do quanto é bonito ser humilde. Acho que existe também um valor muito grande em ter uma infância longe da cidade, da ilusão que a cidade grande traz.

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