Aluna: Kesia Santos Souza – 9º ano
Profª Silvia Nogueira
Um
cantinho dentro de mim
Em
uma manhã de 2005, acordei não no mesmo lugar, não na mesma casa. Acordei
sentindo um ar puro entrando pela janela, sem a poluição da cidade. Naquela
manhã, pra escola, era transporte escolar, não mais caminhar. Pouco a pouco comecei
a conhecer rostos tímidos, bem diferentes dos rostos assustados e dos pés
apressados do bairro Aeroporto. Parecia que lá no meu antigo bairro, as pessoas
estavam sempre tensas, preocupadas com tudo.
Meus
pais agora tinham me levado para morar no Imburo. Esse bairro é relativamente
novo na cidade. De um lado era asfalto e, do outro, estrada de chão. É um lugar
que quando chove e venta, a terra cheira molhado e as folhas, vida. As casas
são bem feitas. Simples, mas bem pintadas. Um arco-íris de cores. Tanto que a
minha própria casa era verde, com detalhes laranja. Meu quarto também tinha uma
cor diferente da do meu irmão, que tinha um gosto mais maduro. O meu era de
menininha, querendo sempre algo novo.
Quando
eu e meu pai saíamos para andar nas pequenas estradas de terra do bairro, ele
me mostrava nascentes, ainda com águas cristalinas. Mostrava animado onde ele
tinha crescido e contava como brincava com meus tios nas terras do meu avô. Na
verdade, tudo aquilo já tinha sido uma grande fazenda. Parte era da minha
família. Mesmo adorando essas histórias, na minha própria história e no meu
coração parecia que essa era uma realidade muito distante. Eu queria que a
minha vida fosse, na verdade, bem longe dali, queria estudar, crescer na vida.
Meu medo era não conseguir fazer cursos, estudar em uma boa escola, já que o
bairro não tinha muitos recursos. Ônibus com poucos horários... E meu pai
trabalhava muito, sem muito tempo para resolver essas coisas.
Mas
a vida nesse bairro seguia muito simples e tranqüila. Minha mãe enquanto
limpava a casa, cantava alegremente. Meu irmão quando chegava do serviço fazia
a gente morrer de rir com as suas bobeiras. Depois, à noite, sentávamos na
varanda para desfrutar a companhia uns dos outros. Era gostoso o sentimento de
paz, uma energia boa que dava na gente. Nas noites de lua, a varanda ficava
toda iluminada com o brilho dela e das estrelas. A gente se iluminava também e
cantávamos ao som do violão. Meu irmão era o tocador. Tocava muito bem,
inclusive. Quando ele tocava, eu é que tinha que ser a solista. Cantávamos rock
tipo balada, hinos evangélicos. Era muito bom.
Em
outras noites, as crianças brincavam na rua, mas as brincadeiras nunca não
terminavam em choro. Era a época da inocência, bem diferente da realidade de
hoje em dia. Eu e elas nem queríamos voltar pra casa, porque ninguém disputava
com ninguém. Pelo contrário, era pura amizade. No auge das brincadeiras,
ouvíamos nossas mães nos chamarem porque já era muito tarde e tínhamos aula bem
cedo.
Quase
todo final de semana, depois da igreja, fazíamos um almoço junto com os
vizinhos mais próximos. Dividíamos as responsabilidades. As mulheres eram
responsáveis pela comida, sempre com muita variedade. E nós, as meninas,
ficávamos responsáveis pela sobremesa. Eu fazia pavês, pudins, receitas com
sorvete. Gostávamos muito de fazer gelatina colorida. Aliás, até hoje. Tanta
receita que minha mãe me ensinava. Nesses dias também nos divertíamos muito.
Assistíamos futebol pela televisão. Cada um torcia para um time diferente,
logo, era uma falação só na hora do jogo. Na hora do cafezinho, tínhamos que
ouvir as piadas do meu pai.
Passamos
seis anos lá. Meu pai percebeu que eu havia crescido e já era hora de ir para
um lugar com mais recursos. Até porque era o que eu queria: estudar, fazer
cursinhos, ter uma profissão. Nessa época resolvemos voltar para a casa próxima
do meu avô no Aeroporto. Era uma forma de cuidar dele, já que meu pai é o filho
mais novo e acho que o preferido dele também.
Nunca
vou esquecer daquele cantinho de Macaé. Acho
que a gente às vezes tem uma idéia preconceituosa de pessoas e lugares. Muita
gente acha que o Imburo não é um bom lugar, que é um lugar perigoso para se
viver. Para mim, isso é uma questão de olhar. Lá eu aprendi valores que vou
levar comigo por onde for. O valor da simplicidade, do quanto é bonito ser
humilde. Acho que existe também um valor muito grande em ter uma infância longe
da cidade, da ilusão que a cidade grande traz.
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